Denúncia
Um arroio sem lei
Donos de embarcações desrespeitam regras de navegação no Arroio Pelotas e põem em risco meio ambiente e praticantes de esporte e lazer
Carlos Queiroz -
A imagem de avenidas tomadas por carros com som em volume alto, pessoas bebendo e alguns condutores imprudentes circulando em alta velocidade não é incomum. No entanto, o mau exemplo das ruas também vem se aplicando com cada vez mais incidência sobre o Arroio Pelotas.
A cada final de semana, dezenas de embarcações circulam em parte dos 60 quilômetros de águas que iniciam no encontro dos arroios das Caneleiras e do Quilombo e deságuam no canal São Gonçalo. Grande parte delas sem qualquer preocupação em seguir uma regra simples em qualquer local de trânsito: a velocidade.
A placa está ali, bem visível debaixo da ponte que liga Pelotas à praia do Laranjal, na avenida Adolfo Fetter.
Há cinco anos o aposentado Nedi Cantarelli, 69, cansado de tanto presenciar os excessos cometidos por condutores de lanchas e motos aquáticas, resolveu ele mesmo confeccionar a sinalização. Após conversar com agentes da Capitania dos Portos, responsável pela fiscalização, afixou o aviso de que naquelas águas a velocidade máxima permitida é de cinco nós, o equivalente a 9,26 quilômetros por hora.
“São os grandes que desrespeitam o limite. Já quase virei meu barco por conta de uma lancha que passou em alta velocidade e levantou ondas. Caí e me machuquei”, conta. O barco a que Nedi se refere já foi vendido.
Tantas são as embarcações cruzando acima do limite de velocidade que o veículo dele e de outros pescadores - que vivem disso ou praticam por lazer - acabam sendo avariados pela movimentação da água. “Eles batem uns contra os outros, contra as margens e isso vai arranhando, amassando, quebrando. Não há a menor consideração”, lamenta.
Morando às margens do arroio há quatro anos, Vilmar Manq, 78, confirma que a falta de fiscalização acaba incentivando a irresponsabilidade. Nos finais de semana de tempo bom ele diz que chama a atenção a quantidade de embarcações em alta velocidade. Durante dois dias a reportagem do Diário Popular acompanhou a movimentação em diferentes locais do Arroio Pelotas e flagrou os excessos. Sem qualquer incidência de fiscalização.
Falta educação
Em um ponto quem utiliza o Arroio Pelotas e quem tem a responsabilidade pelo controle nas águas concordam: falta conscientização dos navegadores. “Assim como ocorre com a Polícia Rodoviária nas estradas, a maioria das pessoas respeita as regras e os limites apenas quando a fiscalização está presente no local. Basta sairmos de perto e os abusos retornam”, admite Fábio Santana Sobrinho, comandante da Capitania dos Portos do Rio Grande do Sul.
Com uma equipe de 55 militares para dar conta das operações e também de atividades administrativas como análise e emissão de documentos, Sobrinho afirma que mantém fiscalizações regulares o ano todo e também atende diversos casos de denúncias. Inclusive de ocorrências de condutores consumindo bebidas alcoólicas nos barcos. Entre dezembro e março, período de maior movimentação no Arroio Pelotas, foram oito ações de combate a irregularidades, com 20 abordagens em que foram emitidas notificações. Em todos os casos, os condutores têm direito a apresentar defesa. De acordo com o tipo de infração, a multa pode variar entre R$ 40,00 e R$ 2,2 mil.
Dono de uma lancha há nove anos e praticante de remo, o empresário Carlos Umberto Delevati, 56, afirma que já flagrou diversos abusos no Arroio Pelotas e que isso se intensificou bastante nos últimos três anos. A ponto de se tornar um risco para banhistas e esportistas. “A mesma falta de educação de alguns motoristas na ruas é reproduzida no arroio. No verão estava remando e quase fui atropelado por um condutor de jet ski em alta velocidade e desatento. Só escapei porque gritei e ele desviou a poucos metros de me atingir”, reclama.
Porém, para Delevati, além dos danos a pequenas embarcações e o perigo aos banhistas, outro impacto da desobediência ao limite de velocidade coloca em jogo o futuro do arroio. “É um privilégio para Pelotas ter um manancial de águas tão importante do ponto de vista de lazer e ambiental, mas que a falta de educação acaba por degradar as margens com as ondas provocadas pelos barcos e jet skis. É preciso entender isso, respeitar e saber compartilhar.”
JOSÉ WEYKAMP DA CRUZ,
biólogo e ecólogo
Que tipo de impacto ambiental o desrespeito ao limite de velocidade no Arroio Pelotas pode causar?
Não dá para desconsiderar o que isso representa. Como as áreas onde há maior circulação de embarcações são as que possuem maior ocupação, por consequência as margens são mais alteradas, com pouca vegetação que suporte maiores impactos de marola das embarcações em alta velocidade.
A erosão é o principal reflexo?
A alteração do regime de erosão é lenta, não há um impacto calamitoso. Mas aos poucos vai, sim, ocorrendo uma descaracterização e as consequências são imprevisíveis. Pode, inclusive, haver a queda de barrancos nas margens e o alargamento do espelho d’água, diminuindo a profundidade.
E para os animais, há alguma interferência?
Nesta região vivem capivaras, jacarés, lontras, diversas espécies de garças e muitas aves migratórias. Estes animais se instalam nos banhados, em áreas onde não há ocupação, vivendo ali ou usando como local para reprodução. No entanto, o tráfego intenso e o ruído de lanchas e jet skis afetam diretamente esse equilíbrio, já que é preciso um ambiente tranquilo. Há também outro ponto: as embarcações emitem uma série de elementos químicos com a queima dos combustíveis e também podem ter vazamentos de óleo. Tudo isso atinge peixes, algas, plânctons e interfere em toda a cadeia alimentar.
DENUNCIE
A Capitania dos Portos é responsável pela fiscalização de 23 municípios da Zona Sul. Casos de suspeita de irregularidades e abuso de velocidade podem ser denunciados pelo telefone (53) 3233-6119.
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